Era uma garota que possuía mais pensamentos do que as
palavras conhecidas pudessem expressar. Observava muito e falava pouco.
O tempo foi calando a sua voz, o que a tornou uma pessoa
muito audível; característica que seus amigos adoravam, pois podiam falar horas
sobre si próprios de modo que de tanto falarem sozinhos, encontravam por si
mesmos a solução de seus próprios problemas.
Mas nunca lembraram de perguntar como a garota se sentia. E
ela foi sentindo cada vez mais para si. Acumulando turbilhões de sentimentos
que a fez mudar toda sua forma de pensar e de enxergar a vida. E isso a calou
ainda mais.
Certo dia, alguém se deu conta de que a garota não falava de
si própria. E vieram as perguntas. E mesmo ela ficou surpresa ao perceber que
não possuía mais respostas sobre si. Aqueles sentimentos acumulados gritando
dentro de si estavam tão apressados para sair e se fazer notar que acabaram
congestionando a saída, seja lá de onde eles se acumulavam.
Com o tempo acostumou-se a conviver também com isso.
E a solidão que fazia parte do seu mundo tão vívido ganhava
cores na insônia imaginativa de suas madrugadas pensantes. Escrevia, para não
falar sozinha. Mirava-se num espelho de palavras amargas em versos escritos numa
espécie de emese.
Sua voz distante ressoava no cérebro pensante como quem
grita diante de um abismo. E quando lia o reflexo de seu desvario, o abismo
gritava de volta... Um eco alucinante de si mesma.
Uma sala de espelhos distorcidos: essa era sua mente; era assim que se enxergava. Mas era só um
reflexo imaginário não condizente com sua figura real. Ela sabia, mas ainda não
conseguia enxergar de outra forma. Não ainda.