A passagem


Ela desceu no aeroporto com aquela sensação angustiante no estomago.

Não eram borboletas, eram agulhas. Um gosto ferruginoso em sua boca lembrava sangue. Estava nervosa. Respirou fundo pensando ser louca.

Duas semanas atrás, por um impulso, comprara uma passagem por causa de uma promoção que talvez jamais encontrasse novamente.

Estava com vontade de viajar e unira o desejo ao calor do momento.

Já havia um mês que aquela paixão a dominara por completo. Não conseguia dormir, não podia comer, não conseguia sequer respirar sem parar por um instante para pensar nele. E todas as vezes que pensava, um sorriso aparecia incontrolável nos lábios. Ela não conseguia conter aquela sensação e achava isso ridículo.

O tempo fora implacável e cruel por dois anos. As horas pareciam não querer passar. Sentira-se inútil... inerte durante esse tempo. Presa em recordações que insistiam em permanecer ali, em algum canto empoeirado daquele coração bagunçado.

Mas conheceu esse rapaz, e foi como se tivessem aberto as janelas do velho coração. Quando a luz começou a penetrar as frestas ficou como cega, não conseguia enxergar devido ao tempo em que permanecera no breu. Então o mofo deu lugar ao ar puro que começou a entrar e quando finalmente pôde respirar aliviada se deu conta que estava na hora de arrumar a bagunça e jogar fora os velhos papéis.

Um mês inteiro de conversas. Sorrisos, desejos ocultos compartilhados. Ficaram amigos, depois. E então, mais que amigos. Havia cumplicidade.

Ela percebeu a força enorme que ele fez para não demonstrar que já estava inundado por esse sentimento de tal forma que não conseguiria nadar de volta à margem sozinho. Mas ao se dar conta disso, notou que ela também estava agindo do mesmo modo... Precisavam um do outro para se apoiar. Todavia somente se olhavam, nenhum dos dois conseguiu tomar uma decisão ou sequer dizer algo.

Se não decidissem, submergiriam nesse sentimento e morreriam sem dizer palavra alguma.

Foi quando comprou as passagens. E só contou depois de feito. Ele sorriu com aquele sorriso de menino bobo, surpreso e feliz. Quando ela viu seu sorriso, através da tela do computador, conseguiu confessar que ele havia dominado seus pensamentos. Que ela não conseguia ao menos dormir em paz, pois seus sonhos haviam sido povoados por momentos que ela gostaria de viver ao lado dele.

E ele tocou a câmera como se segurasse a tela do computador e disse: Eu amo você.

Porque ele disse isso? O coração dela pareceu parar. Engoliu em seco e não conseguiu dizer nada. Apenas abaixou a cabeça e após eternos segundos angustiantes de silencio balbuciou que precisava fazer qualquer coisa e desconectou.

Não era paixão. Era desejo. Só percebeu após ouvir aquela frase. Não o amava, não o queria para sempre. Não tinha o direito de perpetuar aquilo, mas já havia comprado as passagens e teria que encará-lo pessoalmente. E aquilo a consumiu por uma semana até o momento em que ela desceu no aeroporto com aquela sensação angustiante no estômago.

Não eram borboletas, eram agulhas. Um gosto ferruginoso em sua boca lembrava sangue. Estava nervosa. Respirou fundo pensando ser louca.

“O que estou fazendo?” Sua mente lhe torturava durante todo o trajeto e também naquele momento.

Mas tinha que continuar.

E assim que atravessou o corredor, o viu encostado à parede olhando intensamente para ela. Ele sorriu. E o mundo dela parou. Um mês inteiro de histórias passou diante dela, as conversas, as risadas, as lágrimas, o desespero, os desejos ocultos, o toque na câmera. Ela sorriu também e uma epifania a fez entender que aquilo era tudo que ela mais desejara. Não passou um mês inteiro em devaneios em vão. Não se arriscou numa viajem por puro capricho. Definitivamente não era apenas um desejo.

Vê-lo ali, como um sonho transformado em realidade diante de si a fez agradecer por tudo que viveu e por tudo que fez. Então sorriu de volta. E ele veio ao seu encontro.

Ela ia dizer olá, mas ele a calou com um beijo apaixonado, pois a conhecia. Sabia que ela talvez duvidasse, talvez desistisse. Precisava viver cada instante como se fosse o ultimo momento do universo prestes a entrar em colapso. Precisava transmitir segurança. E foi exatamente como ela se sentiu diante daquele garoto: Segura.

E deixou a alegria invadir seu corpo e sorriu mais uma vez. E mais outra vez. Já não sentia as agulhas... só borboletas. Só segurança. E ao darem as mãos, selaram o que haviam sonhado um para o outro, mesmo que não houvessem compartilhado. Foram ser felizes.