Desceu as escadas com o
coração em prantos. Entretanto seu rosto espelhava serenidade. Até esboçou um
sorriso, meio sem graça; queria ser dona da sua própria situação.
Sentiu-se forte, como nunca havia
sentido. As coisas que disseram já não eram reais. Havia a convicção de
quem estava fazendo algo que mudaria totalmente sua vida. Nunca mais deixaria
que falassem dela. E não permitiria sequer que ousassem brincar com seus
sentimentos outra vez.
Tinha arrumado os cabelos, e
usado aquela roupa que a deixava mais mulher. Olhara uma última vez as paredes
e o teto deste que fora seu quarto durante tantos anos. Quantas lembranças!
De ficar madrugadas varando na
janela, à espera que algo inusitado acontecesse naquela viela. Mas somente os
guardas noturnos apareciam e nunca sorriam, nem diziam boa noite. Naquela época
ainda não havia conversas incessantes pela internet.
E olhou também aquela casa tão
grande, e o espelho da sala, onde se achou muito sensual, e decidida. Seu
interior sangrava, mas dali por diante decidiria seu próprio caminho, faria
suas próprias escolhas. E a primeira de muitas que sucederiam, foi não seguir o
que lhe ensinaram ser o certo durante sua pouca vida. Naquele exato instante
decidiu questionar a sua existência.
Passou a mão pelos móveis,
olhando cada detalhe daquele lugar, cada cômodo. E desceu as escadas. Entrou no
carro. Tudo o que tinha estava no porta-malas. Porém nem malas havia, estava
tudo jogado dentro de um saco, bagunçado, da mesma forma que se sentia naquele
momento: Bagunçada como algo que não valia nada e estava jogado de
qualquer forma, semelhante àquelas roupas no saco.
Tinha que prosseguir. Não chorou. Sorriu.
No primeiro movimento do carro,
sentiu o coração gelar. Ia devagar pela estrada, enquanto um flashback dançava
diante de seus olhos. Parecia um filme, um clipe, todavia era sua vida.
Encontrou o moço a quem tanto
amou, na saída da cidade. Parou o carro, tocou em sua mão e disse adeus. Ele já não a amava, ela sabia e mesmo assim deixou seu coração nas mãos daquele moço. E por
todo o caminho até chegar a seu novo destino, respirou como se tudo aquilo
fosse um sonho triste que aconteceu. E ali fez duas promessas.
Não deixaria, nunca mais, alguém
lhe pisar. Não voltaria àquele lugar.
E as cumpriu.
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